sábado, 30 de março de 2013

RAIMUNDO CARRERO FALA SOBRE NOVO LIVRO, RELIGIÃO, PROJETOS E PROCESSO CRIATIVO


Raimundo Carrero em sua biblioteca, bagunçada desde o AVC, em 2010. Foto: Bruna Monteiro/Esp. DP/D.A. Press



Na ansiedade para o lançamento do próximo livro, Tangolomango, em março, mas sem data definida, o escritor pernambucano Raimundo Carrero, natural de Salgueiro, não consegue se dedicar a nenhum dos vários projetos. No notebook que usa para escrever, estão as primeiras frases de três livros.

A ambiciosa biografia sobre Jesus Cristo, previamente intitulada Jesus – O Deus perseguido, tem aproximadamente 10 páginas e tem tomado seu tempo com leituras sobre o tema. A autobiografia Às vésperas do Sol, inspirada no acidente vascular cerebral que sofreu em 2010, o mais avançado, mas estancada. O terceiro é Lamalagata, obra que dá sequência às obras intricadas, com personagens em comum, que desenvolve desde Maçã agreste (1989).

Carrero voltou a andar normalmente há cerca de dois meses. Na sala da casa onde mora, no Rosarinho, o vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, com A minha alma é irmã de Deus (2009), recebeu o Diario para uma conversa sobre Tangolomango, os outros projetos, carreira e religião.

A protagonista de Tangolomango é a misteriosa Tia Guilhermina, que tinha o sonho de ser prostituta e ama o sobrinho Matheus, ao mesmo tempo a grande paixão e a maior vergonha de sua vida. Os dois surgiram em Maçã agreste e tiveram destaque em O amor não tem bons sentimentos (2007), em cujo desfecho Matheus estupra e mata a irmã, Biba, e a mãe, Dolores.

Entrevista // Raimundo Carrero

TANGOLOMANGO

Por que um livro para Tia Guilhermina?
Porque, na verdade, eu sou muito apaixonado por ela. É uma personagem muito apaixonante, carismática, na verdade. E eu achei que podia trabalhar bem com ela, lutei por ela. Acho que escrevi um romance razoável.

Está muito rápido, não é? Bem introspectivo…
O livro acontece no carnaval, e o carnaval pede essa rapidez. Eu escrevi como se fosse um frevo de bloco, com os movimentos da música. O ritmo interior dela, que é muito cadenciado, também pedia um ritmo mais acelerado. Eu fiz o que pude fazer, escrevendo com um dedo só.

E agora, está escrevendo com as duas mãos?
Essa mão (a esquerda) está do mesmo jeito. Mas a outra está boa. Na verdade, eu escrevi um conjunto de romances, que englobam sete romances, desde Maçã agreste. Então eu precisava fazer uma relação entre os personagens, porque eu precisava investigar o máximo possível a família e o mundo interior deles. Eles vão falando e se manifestando na primeira pessoa. Parece brincadeira, mas eu precisava conhecer mais o interior deles. Por exemplo, Tia Guilhermina é muito recatada. Ela se envolve com homens, mas ela é muito recatada. Ela se condena e se culpa pela relação com o menino. Relação não, que nunca chegou a acontecer, pela paixão pelo menino. Nunca se concretizou porque ela não deixa. Ela diz “o sangue não trai”. Não se envolve sexualmente coma criança, fica só o desejo e a paixão. Ela não vai, como se diz popularmente, às vias de fato.

Você acha que isso é por causa de alguma crença sua?
Possivelmente, pode ser minha. Mas, do ponto de vista técnico, eu também quis associar a imagem a pessoas que não praticavam. O sonho dele de ser prostituta não se realiza porque ela tem medo da solidão da prostituta. Ela diz que tem medo de homem, mas ela tem medo da solidão da prostituição.

Ela não é solitária? Eu achei uma personagem solitária…
Solitária, ela é, porque ela vive só com os sonhos e as agonias dela. Mas depois ela começa a se soltar mais. Quando ela começa a sentir a paixão pelo menino, ela tem a relação de amizade com o filho adotivo, que é ela quem cria. Ela procura soltar essa solidão no piano, na música, que é o elemento exterior dela. Ela se solta e vai revelando a sua agonia interior. Ela fala como se não se conhecesse. Quando as pessoas falam “quem é Tia Guilhermina?”. Ela não responde nunca, como se fosse uma narrativa indireta.

E o livro não fala muito bem como ela é fisicamente…
É uma pessoa pequenininha e chochinha, bem magrinha.

Por que é tão sedutora?
Porque ela é ansiosa, muito ansiosa. Essas pessoas que se jogam no mundo, não esperam que o mundo venha. Agora muito slitária. Você vê que a boemia dela é solitária. Ela vai muito aos bares, mas vai sozinha. E chora. E espera uma pessoa que não vai aparecer. Ela não marca encontro com ninguém. A pessoa que ela mais queria conhecer é ela mesma. Mesmo quando está com Matheus, ela está só. O que Matheus faz para matar a solidão é ler. Agora Matheus é matreiro, porque ele reconhece a paixão dela e faz de conta que não, embora seduza a tia. Dá um toque erótico na voz quando lê. Ela diz isso, ciúme das palavras. A voz dele tem algo de sensual, erótico. É o menino que seduz, não é o contrário. Ele procura aprofundar e abismar a paixão dela.

Você lembra como criou Tia Guilhermina?
Quando eu senti que ela ia aparecer, eu me baseei muito em mulheres solitárias que conheci. Muitas velhinhas solitárias. Aqui no recife é muito comum isso, no interior nem tanto. A família vai crescendo e vai deixando a mãe, avó, tia muito só. Ela começa a viver a vidinha dela sozinha. Essas mulheres foram meu modelo. Na verdade tem um modelo físico, mas não divulgue aí. (põe a mão em cima do gravador)

O livro se passa quando?
A ação anterior é na década de 1960, 1970.

E o carnaval?
Agora. Já é o Galo da Madrugada. Quando eu cheguei no Recife, existia uma coisa chamada Manhã de Sol, que era muito bonita, com orquestra, escola de samba, a partir da manhã até 16h, 17h. E eu achava aquilo muito bom. Aí levei Tia Guilhermina para procurar a Manhã de Sol. Mas não encontrou e encontrou o Galo da Madrugada. Aquele strip tease dela foi uma surpresa. Eu não esperava que ela fizesse aquele strip tease não. Ela não queria fazer strip tease não. Ela queria trocar de roupa. Só que ela, irresponsavelmente, tirou a roupa no meio da rua. Quando ela prestou atenção, estava todo mundo olhando para ela, e aplaudindo. Como a curra também foi uma surpresa. Ela vai indo para casa. Quando chega na Torre, ela encontra uns rapazes em um jipe. Para mim, eu só queria mesmo um passeio. No caminho, eles param o carro, vão comer em um restaurante popular um cozido. Ela come também aquele cozido cheiroso, cheio de comidas e gorduras. Aí ela sente vontade de ir ao banheiro. Quando ela está lá, os rapazes invadem o banheiro e a estupram e curram. Aí ela sai dali morrendo de febre, dor de cabeça, mal-estar. E começa a ver a família, encontra um grupo de circo. Como estão todos cheios de estopa, ela começa a reconhecer a família dela todinha. Ela vai para casa, e os fantasmas ficam em casa.

É um amor impossível contemporâneo?
Digamos que sim. Não tem como solucionar. Perfeitamente impossível, até porque ela não quer realizar. Em um dado momento, ele já era um rapaz, um homem feito. É aquela história das mulheres modernas que acham que têm que dar banho nos meninos nuas. Só que elas esquecem que as crianças têm um alto grau de erotização. E ele passa a ter desejo por ela, só que ele não fala. Só quem fala é ela, que passa a comandar toda a história.

Quando ele seduz Tia Guilhermina, ele quer mesmo ou é só um jogo?
Quer. Ele quer. Ele tem plena consciência de tudo. Tem uma cena do banho que ele começou a se abraçar com ela no banho. Ela aceitou, mas depois mandou ele sair, ir para a bacia dele. Naquela hora, ele sente que também tem paixão por ela. Mas, por algum motivo, não realiza nada. Eu poderia terminar o romance, seria muito curioso, com o estupro dela por ele, como eu terminei O amor não tem bons sentimentos. Mas seria excessivo. Passa a perder a credibilidade. O romancista tem que ter noção da sua dose perfeita, para não ficar ridículo.

E ele ia virar um personagem…
Sem graça, assassino.

A gente ia passar a detestá-lo.
Ele é estuprador da mãe e da irmã, mas ele passa uma imagem simpática, que faz aquilo porque foi erotizado pela tia. Como ele viveu próximo da mãe e da irmã, era resultado da paixão que ele tinha pelas duas. Eu pensei em encontrar um romance de Dolores (mãe de Matheus), mas era muito difícil, porque ela não fala nem pensa. A meninazinha pergunta: “mãe, você não fala”. Aí ela: “não falo nem penso”. Posso até fazer, mas vai ser muito difícil. Um romance só de imagens e metáforas. Dolores era seca, ao contrário de Tia Guilhermina. Pode ser que depois eu faça. Meu projeto imediato, você sabe disso, é a biografia de Cristo. Já comecei a rascunhar. E depois uma novela sobre uma personagem chamada Paloma, amiga de Camila, de A minha alma é irmã de Deus. É uma menina bem malvada. O nome da novela é Lamalagata, uma palavra que eu inventei. Significa a gata má. Lamalagata – O caminho da águia no ar. O romance de Cristo está me dando muito trabalho, porque eu precisei de muitas informações seguras, por exemplo, sobre a infância dele. Como foi a infância dele? Como foi a formação dele? Se bem que ele não precisava de formação. Quem precisa é a gente, porque ele é Deus. Dizem que tem um livro desse Papa que está saindo, chamado A infância de Cristo. Eu quero ler, porque é muito curioso.

A linguagem desse livro está muito leve. As vírgulas, os adjetivos vêm em uma sequência que parece obrigatória…
Eu escrevo como quem compõe. Tem a melodia e o ritmo. O ritmo é um só, os andamentos são diferentes. Quem conhece andamento sabe que andamento… O romance tem que ser mais triste, mais alegre, mais angustiado, mais triste, alegre alegre. Qualquer pessoa que conhece partitura de música vai ver. A frase tem que ser naquela hora. Tanto que circula a primeira e a terceira pessoa.

Às vezes, não sentimos onde começa e termina a citação. É tudo muito sequenciado.
A técnica não é monólogo. É uma falta de terceira pessoa. Narra na terceira, mas na verdade é a primeira. Às vezes, Tia Guilhermina salta e fala. É uma coisa trabalhosa, mas eu consegui. É algo que persegui há muito tempo.

RELIGIÃO

Eu acho uma loucura esse projeto.
Eu acho não. Acho uma maravilha. Não é uma biografia no sentido jornalístico. Histórico é. Começa com Nossa Senhora cantando no deserto, indo para Belém, cantado Magnificat. E aí várias ações ocorrem. A lembrança dela do anjo, quando anunciou a ela. A visita de Isabel e ainda a simbologia de pisar uma cobra. O romance vai chamar Jesus – O Deus perseguido.

Quem vai narrar?
O narrador na terceira pessoa. Começa com Nossa Senhora contando a maravilha que ela sentia e lembrando os fatos e pisando na cobra e andando para Belém, onde Jesus nasceu.

O que você achou da renúncia do Papa?
Para mim, é um aviso à humanidade, uma espécie de recado de Deus. Não é uma renúncia qualquer, é um recado de Deus. O mundo está precisando de luz. Ele está pedindo a gente que renuncie à vulgaridade, esse é o significado da renúncia. Pelo pecado que mais a gente tem, do amor ao corpo pelo corpo, sem nenhuma transcendência. Mesmo essas igrejas que proclamam o nome de Cristo o tempo todo têm uma vaidade muito grande.

E sobre a polêmica em torno da renúncia?
Acho normal. É tão raro, teria que provocar mesmo um debate muito forte. Vejo como um recado. “Se meu filho, que é meu representante na Terra, por renunciar, por que vocês não podem?” Do ponto de vista religioso, esse momento é muito grave. Claro que a Igreja tem seus problemas. A Igreja é santa e pecadora ao mesmo tempo, porque nós somos filhos do pecado de Adão e Eva, mas também de Maria também. Somos santos com ela. É o momento em que o homem deve ser mais humilde, se aproximar mais de Jesus Cristo e renunciar ao mundo, no sentido da depravação pecaminosa, do amor ao dinheiro, excesso de amor ao corpo, como se não existisse nada que não o corpo. E o resto?

Você acha que o Papa renunciou por quê?
Como cardeal, ele conhecia todos os problemas da Igreja. Mas como Papa, esse conhecimento passou a ser outro. Ele preferiu voltar a viver como cardeal. Ser Papa é muito difícil, porque significa colocar o mundo nos ombros, literalmente, não é metaforicamente não. E o Papa significa martírio. Ali, ele tem que ser extremamente sincero. E aquilo pesou muito. Deus disse a ele “tudo bem, já que está muito pesado para você, você renuncia e vem a mim na qualidade de religioso. Vamos dar esse exemplo ao mundo, que Deus avisa ao homem que é preciso renunciar, largar o mundo como ele está, muito violento, erótico, corrupto, que é mais grave, e feio. É hora de refletir, analisar e transcender. Deus está pedindo uma renúncia ao mundano.

Você já escreveu muito?
Nem 10 páginas, porque é muito trabalhoso. Não é só contar uma história. E eu estava escrevendo esse. Terminei em setembro. O que me alegrou foi que, no mesmo dia em que mandei, aprovaram o livro. E ela (a editora) usou uma frase que me impressionou muito: “fiquei muito impactada”. As pessoas que estão lendo têm dado uma resposta muito forte, muito bonita.

ÁS VÉSPERAS DO SOL

E a sua autobiografia?
Estou escrevendo, mas minha psicóloga diz que a dificuldade vem do medo de mim mesmo. Eu andei muito pouco. Tem umas 50 páginas escritas, mas tem que lembrar dores, angústias. Esse romance (Tangolomango) me tomou muito. Fiquei quase exclusivamente com ele o dia todo. Eu acordava planejado para escrever À véspera do Sol, mas a saudade de Tia Guilhermina, que agora é muito grande… Você convive com a pessoa dias e anos, e de repente a pessoa parte, sem chance de retorno. Eu tinha paixão e afeto por Tia Guilhermina, muito carinho por ela. Tomou conta dos meus sonhos e da minha pele. No meu primeiro romance, Bernarda Soledade foi muito forte para mim. Mas foi um fenômeno muito diferente. Eu escrevi em cinco dias. Eu estava na fazenda com minha ex-sogra, e escrevia 20 páginas por dia. Foi uma paixão fulminante. Sinto saudades muito remotas, mas Tia Guilhermina é mais carnaval, está na minha pele, toca em mim. Quando eu saí do hospital, em novembro de 2010, eu comecei a trabalhar esse livro. No começo, eu ditava para a terapeuta, Elaine. Até que eu decidi eu decidi não ditar mais, quis escrever, mesmo com um dedo só. Deu trabalho, às vezes eu me confundia, mentalmente me confundia. Ditar não é escrever. Escrever é um ato físico, sensual até.

RECUPERAÇÃO

Você ainda faz terapia ocupacional?
Faço, mas segunda e sábado só. Eu estou andando bem, me mexo bem. Só muita dor na coluna e nas costas. Vamos dar uma voltinha? (e se levanta para caminhar no corredor)

Carrero, e o centro cultural (projeto que vai desenvolver em uma casa no Rosarinho, perto da casa onde mora)?
Vai ficar pronto no segundo semestre, mas depende de patrocínio. Espero fazer a parte interna ainda agora, eu tenho um dinheirinho no banco, vou fazer. Derrubar as paredes e fazer as salas, para a oficina de literatura e cinema.

Tem algum romance surgindo?
Esse dois tu achas pouco?

Não, mas queria saber. Não custa perguntar, você não é de biografias…
Tem Lamalagata. Já tem a abertura. Vou mostrar a você.

Você não tem medo de ser criticado?
Não. É a visão do autor, não da Igreja. Vou seguir ao máximo a visão da Igreja. Mas, inevitavelmente, alguém vai criticar. É até natural. “Carrero fez tudo errado”. No livro, tem um erro proposital, diz que o Galo da Madrugada é no domingo. Mas eu precisava dos cachorros de domingo.

Você escreve ainda nessa poltrona?
É. Computador é muito bom.

Você passa o dia todo no Facebook, né? O que você acha do site, hein?
O dia todo. É um negócio ótimo. A gente pode conversar com um grande número de pessoas, conversar com gente que nem conhece, admiradores, pessoas que gostam da gente, da obra da gente. Mas tem invasões horríveis também.

Já aconteceu alguma invasão dessas?
Já. Gente que vem falar de sexo, “quer f… comigo?” Aquela palavrinha… “Não sei quem é você, como posso querer”. “Mas queira, queira que a gente faz”. “Eu não, quero não”. Aí mandam fotos de mulher nua, que a gente vê que são fotos de revista. Outra pessoa veio criticar o livro, sem ler. “Você quer fazer sucesso sem lançar livro”. O livro tem quatro etapas. A primeira é o planejamento, depois escrita, depois divulgação e promoção. Quarta, vendas. Estou na fase de divulgação e promoção.

Você se acha vaidoso?
Sou, razoável. Não existe artista que não é vaidoso. Agora não pode deixar tomar conta. Tem gente que toda vez que escreve um livro acha que mudou a superfície da face da Terra, ou que é mais importante porque ganhou um prêmio.

Você tem escrito?
Não, com a ansiedade do lançamento, não sai nada.

Como está o dia a dia?
Fisioterapia, hidroterapia, Cepe três vezes na semana, dou aula na terça, quarta e quinta, na Academia Pernambucana de Letras, na livraria CUltura Nordestina e na UBE e vou a médico e exame que só a peste. Segunda-feira, tive uma crise de coluna dessas que arrebentam de dor e passei o dia inteiro, no soro e tomando antibiótico.

LITERATURA

Mas está produzindo muito, né?
Eu escrevo muito. Sempre escrevi muito. Para ter uma ideia, em 1986, eu escrevi três romances e publiquei três. O senhor dos sonhos, Sombra severa e Além da baleia.

Qual o intervalo bom entre um livro e outro?
Dois anos. No primeiro ano, você recupera as energias. Eu escrevo primeiro as cenas que acho mais fortes. Escrevo uma, duas, três e depois junto, como em um jogo de armar mesmo.

Geralmente você começa pela abertura, né?
Que tem que ser naturalmente muito forte. Não é muito forte, embora eu ache forte, a velhinha andando na cidade. É como quem vai em busca do destino. O primeiro bairro no Recife que eu conheci foi São José. E era um bairro lindo, embora fosse austero, com casas distantes. Mas era a alma do Recife. Outro dia eu passei lá, achei horrível. Aí escrevi aquela abertura.

SAUDADES

Qual a última vez que você brincou carnaval?
Há muitos anos. Eu só brincava carnaval quando era do Diario de Pernambuco. Eu era chefe de redação, aí descia quando todos os repórteres iam embora, ia para a Guararapes, Rua Nova, até a década de 1980.

Tem saudade?
Eu tenho vontade de ver. Eu sou muito triste, gosto muito da solidão… “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme Fenelon”, “Adeus, adeus, minha gente”. Isso é tristeza, não é não? Aí Capiba canta “De chapéu de sol aberto pelas ruas eu vou, a multidão me acompanha, eu vou”. Aí depois ele fala de solidão, tristeza. O Recife é triste. As pessoas não gostam de dizer, mas o Recife é triste. O carnaval do Recife é tristíssimo.

Você já escreveu ouvido música?
Não, porque a música me desvia. Como eu sou músico (Carrero toca saxofone e integrou várias bandas), a música me desconcentra, eu me vejo tocando saxofone. Eu acho que eu devia ter continuado. Eu não fui fiel a mim mesmo. Mas eu toquei muito, demais.

Você preferiria tocar a escrever?
Preferia escrever, mas tendo o saxofone como companheiro. Eu estava pensando em voltar, comprar um sax novo, mas com essa mão assim não posso tocar.

Você já pensou em parar de escrever?
A única coisa no mundo que eu não faria por ninguém. Só tem duas pessoas que me fariam parar: meus filhos. Como eles não vão pedir isso, porque eles sabem que é minha vida. Eu pararia, mas com grande sofrimento. Minha vida perderia o sentido. Tenho mulher, filhos, família, gosto muito de todos, mas não viveria sem escrever. Quando eu saí do hospital, vim para casa doido para escrever. Achei que ia ser mais fácil, mas não foi. A médica disse que eu perdi 20% da minha capacidade cognitiva. Mas escrevi o romance.

Você teve medo?
Tive, quando estava no hospital. Eu me esforçava o tempo todo para pensar em um romance. Pensei muito em Tia Guilhermina. Cheguei em casa já procurando o computador, mas não consegui escrever nada. Aí depois consegui criar a história e a terapeuta digitava.

(Luiza Maia)

Publicação: 06/03/2013 07:00 Atualização: 06/03/2013 09:34

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