domingo, 13 de maio de 2012

À MESTRA, COM CARINHO!

18 de maio de 2010, Jorge sai da FUNASA após cumprir medida sócio-educativa durante três anos, acusado de latrocínio.

Sai a gritar: - Sou inocente, sou inocente!

Uma multidão o espera do lado de fora com muita fúria. Policiais atiram para cima e o coloca depressa dentro do carro.

Aos 21 anos, comete outro crime e vai para o COTEL.

Primeiro dia de aula de Jorge. Aos oito anos segue sozinho para a escola, chinelos nos pés, bolsa e barriga vazias. Ao chegar no portão uma mulher lhe sorrir dizendo:

- Seja bem-vindo, sou Simone professora da primeira série. Qual seu nome?

– Jorge.

A cena congela. Os dois se olham dentro dos olhos por dois segundos.

- Deixe-me ver a minha lista de alunos... Diga seu sobrenome.

– Sobrenome?

– Sim, após o primeiro nome vem um segundo, um terceiro...

– Ah!... entendi. Batista, Jorge Batista. Minha mãe que escolheu.

– Muito bem, Jorge Batista, você é da minha turma, seu nome consta em minha lista.

De repente toca, avisando o começo da aula.

– Vamos lá?

Jorge, enche os olhos de lágrimas. Uma lágrima rola sobre seu rosto e ele a enxuga disfarçadamente. Sente saudade de sua mãe que foi trabalhar catando latinhas, para o sustento seu e de seus três irmãos.

Vai andando lentamente pelo corredor de mãos dadas a sua professora, enquanto observa a agitação dos seus novos colegas. Entra na sala e senta-se na última cadeira da terceira fila. A professora cumprimenta os alunos com um bom dia e escreve seu nome no quadro. Jorge parece encantar-se com aquela letra.

A aula corre solta... Crianças a balbuciar sem parar e Jorge entra na “curtição“. Fica difícil para Simone conseguir, de fato, que tudo transcorra normalmente.

Toca. É hora de cada um seguir seu destino.

Jorge, pergunta para Simone: - Você mora perto, professora?

– Não Jorge. Pegarei dois ônibus: um para o terminal e depois mais outro.

– E você?

– Vou andando mesmo “tia”.

– Então até amanhã, Jorge!

– Não sei se amanhã vai dar pra vir! (falando alto e correndo).

Passa uma semana e Jorge não comparece às aulas.

Simone pergunta à turma: - Alguém aqui mora próximo ao Jorge?

Uma menina responde: - Sim professora, eu sou vizinha dele.

Simone: - O que houve? Por que ele não vem?

– Tá ajudando a mãe a catar latinhas, professora.

Simone baixa a cabeça e fica entristecida, pensa ter perdido mais um aluno para o sistema.

Os dias passam, as aulas continuam...

Hoje, quinta-feira, Jorge finalmente comparece a escola.

– Bom dia Jorge! Senti sua falta.

Ele entra na sala e coloca sobre a lousa da professora uma papoula que colhera pelo caminho e um poema intitulado “À mestra, com carinho!” Que copiara na biblioteca da escola.

Simone lhe sorri: - Obrigada Jorge, guardarei com carinho entre meus outros tantos bilhetinhos. Jorge fica “corado”.

A aula seguia e Jorge se encantava com a voz e o carisma da sua professora. Depois da sua mãe era ela quem habitava o seu eu.

Jorge aprendeu a ler e a escrever, mas parou por ali, no segundo ano do fundamental.Nunca, em momento algum, esquecera aquela que lhe fez enxergar um pouco mais o mundo. E a levava no coração como um bem maior.

Jorge cresceu e começou a roubar. Decidiu entrar no mundo do crime, cair no mundão, a traficar e usar drogas.

Simone, continuou professora, até que se aposentou.

A vida passava e cada um tinha tomado seu destino.

Todos os dias na vida de Jorge eram malditos. Já Simone, curtia sua aposentadoria da forma que melhor podia, com seu humilde salário. Gostava de ir ao cinema, teatro,viajar...

Manhã de segunda-feira, Jorge levanta-se do chão debaixo do viaduto ainda cambaleante , já não aguenta ouvir tantas buzinas em seu ouvido.

Simone recebe a ligação de uma amiga que lhe diz ter dois convites para um concerto de piano.Combinam horário em frente ao teatro. Simone se abre com a amiga e diz está recebendo ligações do seu ex-marido que a ameaça de morte.

Chega a tarde, Simone se apronta e sai para o concerto ao encontro da amiga.

16:30h, sua amiga a espera em frente ao teatro. O concerto começará às 17:00h.

Simone desce do ônibus e sai andando apressadamente.

De repente, alguém puxa sua bolsa.

Simone grita desesperada: - Socorro, socorro!

Recebe um tiro no tórax, cai ao chão e leva mais um em sua cabeça, como ponto final. Logo se aglomeram pessoas em volta ao corpo.

Sua amiga, que a espera, olha o relógio e diz: - É, Simone, o concerto pra você fica pra depois, vou entrar depois te ligo.

O crime foi filmado pelas câmeras, e após uma hora o autor é preso e levado à delegacia.

O delegado lhe pergunta: - Seu nome?

- Meu nome é Jorge.

- De quê?

- Jorge Batista.


(UM CONTO DE CECÍLIA VILLANOVA)

2 comentários:

Anônimo disse...

que conto maravilhoso, atualíssimo. continue escrevendo essas preciosidade, todos agradecem

Marcos disse...

Feliz por saber que vc voltou a escrever e com todo o gás, parabéns pelo conto.Um grande abraço, muita paz e muita luz.Marcospereira.