segunda-feira, 24 de maio de 2010
A VOZ DE ALMIRA CASTILHO
Em 1995, aos meus 16 anos, tive o prazer de conhecer pessoalmente em um recital de poesia na Quinta da Boa Vista, a grande compositora Almira Castilho. Sentamos à mesma mesa e tomamos algumas taças de vinho e conversamos sobre alguns momentos de sua carreira. Aquela noite foi o suficiente para que eu percebesse que estava diante de uma das maiores compositoras da Música Popular Brasileira. Cheguei a conclusão que Almira e Jackson eram inseparáveis, pelo menos quando se fala na junção do trabalho deles: ela com suas composições, como Chiclete com Banana, sua mais conhecida em parceria com Gordurinha(regravada por Gilberto Gil), Garoto de Caculé, Velho Gagá,entre tantas outras, além de cantar e fazer suas performaces no palco. Ele também compositor, cantor e ritmista. Talvez pouco se saiba sobre a vida dessa grande artista que é Almira Castilho e que anda assim "esquecida", como tantos outros artistas desse nosso país. Deixo esse texto, para que nossas gerações não "percam de vista" suas raizes e nem sepultem a história da nossa rica música.
*Texto de Cecília Villanova
Jackson conquistou Almira e o Brasil
Quando, em 1954, Almira Castilho, aceitou um convite para participar do coro de Sebastiana, que seria cantada por Jackson do Pandeiro, não imaginou o quanto aquilo iria afetar sua vida. Nascida em Olinda, ex-professora, ela na época iniciaria uma promissora carreira na Rádio Jornal do Commercio como rumbeira e radioatriz. Morena bonita, alta, corpo violão, olhos claros, descendente de espanhóis, dificilmente se poderia pensar que ela se enamorasse de Jackson do Pandeiro, um paraibano, baixinho, de físico mirrado, feio por qualquer padrão de beleza a que fosse comparado. E mais: nem era ainda famoso, estava contratado pela radio como simples pandeirista.
Porém, assim como era exímio intérprete de frevos, cocos, xotes e o que mais viesse, o paraibano era também bom de papo e, logo, ele e Almira Castilho não apenas namoravam como começaram uma das mais famosas duplas da música brasileira. Uma parceria que durou 12 anos e foi responsável por uma série invejável de sucessos que até hoje ecoam pelo Brasil afora; 1x1, A Mulher do Aníbal, Forró em Limoeiro.
Naquele mesmo ano a dupla começou a fazer apresentações. Quando viajavam ficavam em quartos separados, "Eu ainda era virgem", faz questão de ressaltar Almira, garantindo que Jackson do Pandeiro só dormiu na mesma cama em que ela depois de casados", brinca e relembra o cuidado que Jackson do Pandeiro dedicava à noiva, numa viagem que fizeram ao interior, para um show em uma vaquejada.
"Depois da apresentação nós fomos para o hotel. Quando me preparo pra dormir, avistei uma barata enorme e soltei aquele grito. Em um segundo, Jackson estava batendo na minha porta, abro e lá está ele com a maior peixeira na mão."
Recife era então terceira maior cidade do país, e com um dos maiores conglomerados de comunicação do Brasil, comandado pelo senador F. Pessoa de Queiroz, que reunia dois jornais, uma TV e várias emissoras de rádio. Isto implicava que o artista que fazia sucesso aqui tinha fama espalhada por diversas regiões da federação. Dava para inclusive viver da profissão sem deixar o Recife.
Foi exatamente a fama da dupla que fez com Almira Castilho e Jackson do Pandeiro fossem obrigados emigrar para o Rio.
Jackson, Almira e o conjunto que os acompanhavam foram contratados para animar uma festa nos jardins da mansão do presidente do Náutico, Eládio Barros de Carvalho. O episódio que aconteceu nesta noite ficou meio lendário, e muita gente teima que aconteceu na sede do Clube Náutico.
Os rapazes vidrados na dança de Almira Castilho, que usava por baixo da saia rodada, uma espécie de perneira, exigência do marido. Enquanto Jackson do Pandeiro desfiava seus sucessos, Almira dançava e os rapazes, aditivados por scotch e lança-perfume começaram a pegar nos tornozelos dela. Jackson do Pandeiro, enciumado, pediu para a mulher maneirar mais no rebolado e afastar-se dos "playboys".
Mas não adiantou muito. O assédio continuou e de repente era como se o Forró em Limoeiro virasse um Forró nos Aflitos. De repente Jackson do Pandeiro e seu conjunto distribuíam pernadas entre o distinto público, mas estavam inferiorizados em número. Agredidos a pontapés, socos, cadeiradas eles foram obrigados a bater em retirada.
Almira Castilho recorda que ela e o Jackson escaparam do linchamento saltando o muro da mansão: "Quando chegamos do outro lado foi que notei que um dos olhos dele estava fora do globo ocular, pendurado."
O caso foi muito comentado na cidade mas discretamente abordado pela imprensa. Afinal, pela ótica conservadora de então, os agredidos tinham sido dois simples artistas de rádio, enquanto os demais envolvidos era a fina flor da high society pernambucana. De vítima a dupla passou a vilã.
Não houve nenhuma solidariedade vinda dos patrões de Almira Castilho e Jackson do Pandeiro. Os dois decidiram então rescindir contrato com a rádio, o que para o senador Pessoa de Queiroz foi tomado quase como uma afronta pessoal. Ele acabou liberando o casal, mas os discos deles durante muito tempo entraram no index da emissora, que ignorou os sucessos de Jackson do Pandeiro e Almira mesmo quando eles viraram ídolos nacionais. (J.T.)
(Jornal do Commercio - Recife, 13 de maio de 1998)
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