quinta-feira, 12 de julho de 2012

ENTREVISTA COM A POETA CECÍLIA VILLANOVA

Entrevista cedida ao zine virtual Cabaré 21, editado por Reinaldo Cardoso Simões - poeta, dramaturgo e arte finalizador do disco O Tempo não Pára do cantor Cazuza. Em 01 de nov/2008.

REI-
Com quantos anos você começou a escrever?

CECÍLIA-
Comecei a escrever aos 14 anos.

REI-
Sob que circunstâncias? Namoro?

CECÍLIA-
Minha família é de poetas. Meus avôs me deixaram esta herança com os seus poemas com métricas, rimas, compostos por Mote e Glosa.
Meu avô materno, Otávio Tenório Villa Nova (poeta, Guarda-livros e colaborador do jornal da região de Canhotinho-Pe) deixou-me poemas que escreveu na década de vinte. Alguns inéditos, que pretendo publicá-los em meu blog.
Então fui criada nesse meio, ouvindo minha mãe recitar poemas de Augusto dos Anjos, do meu avô, poemas dela, dos meus tios.
Poemas em sua maioria compostos por mote e glosa, com bastante rimas e métricas.
Bem diferente do que escrevo.

REI-
Certo. Como você define o seu modo de escrever?
Ou melhor - para você é necessário definir poesia?

CECÍLIA-
Sim, é necessário que se defina. Escrevo versos livres, sem nenhum compromisso com a métrica.

REI-
Conversando contigo uma vez, te disse que você pensa poesia, no que você concordou. A vida para você é poesia mesmo nos acidentes de percurso?

CECÍLIA-
Sim, há de se ver poesia até nos acidentes de percurso. A vida é poesia o tempo todo.

REI-
O seu espaço na poesia foi descoberto desde cedo com publicações e tal, ainda tem muito chão pela frente? Como estão os movimentos de poesia? Dá prá pensar que adiante surgirão novas oportunidades para o poeta?


CECÍLIA-
Veja só, na década de 80 aqui em Recife houve um forte movimento entre poetas-estudantes.O chamado MEI(Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco), e um de seus fundadores foi o Poeta Francisco Espinhara(falecido o ano passado). Chico, recentemente dizia haver terminado o movimento, pois a galera não mais participava de reuniões. E hoje é cada um por si. Mesmo assim, ainda tive a oportunidade de "pegar o restinho" do movimento. Quando eu fazia magistério a noite, dava pra dar uma "fugidinha" nas horas vagas e participar de recitais na Livraria Livro 7. Aqui em Recife, surgiu um novo movimento,o Nós Pós. Não tenho participado dos encontros e recitais, porém faço a poesia movimentar nesta cidade vendendo meus folhetos.

REI-
Ótimo. Fale-me um pouco desse processo.

CECÍLIA-
Publiquei o meu primeiro folheto de poemas em 1998, o -Curtíssimo- em parceria com o poeta Fred.Caminha. De lá pra cá foram surgindo outros folhetos em minha vida. Sempre vendi em universidades, escolas, nos bares. O folheto de poesia pra mim, é mais uma força dentro de casa. Dos folhetos já comprei muito leite pra minha menina. Só pra você ter idéia, às vezes, por falta de passagem faço um percurso de oito quilômetros, da minha casa até o Recife Antigo, onde costumo vender.












Cecília e sua filha Maria Cecília.

REI-
Então o folheto além de manter a poesia viva também é uma fonte de renda alternativa. Desses oito kilômetros que você precisa andar, de todo o sacrifício que muitas vezes o artista tem que fazer para sobreviver nessa selva urbana, o que você tira? Qual o seu pensamento sobre isso?

CECÍLIA-
O que me dá prazer é que independente de classe ou gênero, todos podem ler poesia, porque não estipulo um valor, assim ficando acessível a todos. Não penso muito em fama não, penso mesmo em colocar o povo pra ler.

REI-
Tornar a poesia barata é uma das formas de botar o povo em contato com a leitura, e mais que isso, um tipo de leitura específica. Mas essa é uma escolha individual, algo que é feito por seu idealismo. O que mais você acha que deveria ser feito ou acontecer em prol da poesia?

CECÍLIA-
É justamente isso que penso muito. Acho que nós, poetas, estamos muito distantes um do outro e que deveríamos lutar por nossa emancipação de verdade. Como uma gráfica própria, para não ficar a mercê das editoras, consequentemente do mercado.

REI-
Você acha que a cultura oficial ou que o governo devam ser acionados, ou seria paternalismo?

CECÍLIA-
Não. Não precisamos de governo algum.
Já que nos intitulamos independentes, que sejamos!

REI-
Certo. Agora quero saber mais de você. Como eram suas poesias aos 14 anos, e agora , qual é o seu processo criativo?
Você tem de cabeça alguma poesia daquela época?

CECÍLIA-
Sim.

PARASITAS

Vermes com cérebro
passeiam no universo.
Alimentam-se da boemia
Sem refletir no dia-a-dia.
Inconsequentemente gozam
da utopia
que circula em nossa poesia.

REI-
Você já escrevia seriamente na idade em que a maioria das meninas só quer ir ao shopping para comprar e flertar com os garotos. As outras meninas cismavam com você?

CECÍLIA-
Eu tinha receio inclusive em mostrar meus poemas, porque percebia que elas eram somente da geração coca-cola.

REI diz:
Então, de certa maneira você já fazia ativismo cultural?

CECÍLIA-
Sim.

REI- Eu quero sua opinião sobre isso-
Há tempos iniciamos aqui na Escola de Teatro Martins Penna, que é estadual, um movimento que intitulamos de TEATROPOESIA. Foi numa época em que muitos estudantes de teatro descobriram a poesia em função de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e tal. Bem, o contato com a declamação já não existia mais e restava aos alunos a interpretação da poesia como atores em performances.
Você acha que é possível levantar-se a arte da declamação, ou nem é mais necessária?

CECÍLIA-
Acho que se deve resgatar a arte da declamação, sim. é isto o que faço. Acho que Os poetas "confundem" um pouco esse lance de recitar e dar movimento ao corpo ao mesmo tempo. Não quero dizer que teatro e poesia não se casam, mas temos que ter cuidado para não ficarmos ridículos. Para se ter idéia, nesse último festival de Literatura Recifense, promovido pela Prefeitura, houve até mulher que tirasse a roupa, homens se vestiram de mulher. Um verdadeiro carnaval!

REI-
O "CABARÉ!" gostaria, depois desse papo super interessante que você desse suas considerações finais na entrevista.

CECÍLIA-
Bem, sou "filha da classe média", porém aos 14 anos comecei a trabalhar como menor bolsista da Fundac(Fundação da Criança e do Adolescente) na antiga Telpe.Tendo que conciliar o trabalho com os estudos. Foi nesse momento em que comecei também a escrever.

Desde pequena sempre tive muito contato com o povo, fui criada por eles. Meus pais separados, minha mãe com três filhos para criar sozinha, não tinha muito tempo pra mim. Foi aí que comecei a conhecer um pouco mais a relidade do povo. Meus pais sempre me ensinaram a ser uma pessoa popular.

Trabalhei no protocolo da empresa e na recepção, mas tinha mais contato com o povo da limpeza.
A vida me fez perceber que quanto mais você se afasta do povo , conseqüentemente o povo irá se afastar de você. E é aí quando você se torna alvo...

Tive influência poética de Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Augusto dos Anjos, Vinícius de Moraes, dos compositores da velha guarda da MPB, dos poetas do Recife e de minha família.
Confesso que não li muito. Principalmente autores estrangeiros, mas admiro Walt Witman e Maiakóvski.

Hoje moro, por opção, em uma pequena favela no Recife. Tão pequena que aqui preferem chamar de vila, mas pra mim é favela mesmo!

Estou me preparando para esta crise que por enquanto é só a ponta de um iceberg. O pior ainda está por vir. Os mais prejudicados serão a classe média.

Não tenho partido, mas acho necessário criarmos nossas "milícias". E a esperança que ainda tenho é na arte e nas crianças.

Se me perguntares uma citação te direi:

"Os sentimentos nos levam a pedir da razão esforços extremos e a razão ilumina nossos sentimentos." ( Bertolt Brecht)

Nenhum comentário: