
Em dias de chuva meu irmão e eu sofríamos de um tipo de tédio eufórico. Não tinha brincadeira que nos saciasse. Era um tédio que sempre resultava em dor. Uma vez inventamos de jogar o gato um no outro e pegá-lo antes que caísse no chão. Meu azar foi que o gato perdeu a paciência justo na minha vez de pegá-lo. Fincou as garras nas minhas bochechas e foi descendo, rasgando minha pele no caminho.
Doeu.
Mas dor maior foi durante a minha primeira comunhão, no dia seguinte. O padre rezou a missa inteira sem desgrudar os olhos de mim. Não teve bata branca, coroa de flores ou asinha de algodão que tirasse a atenção do meu rosto de poltergeist.
Na hora das fotos, o padre me botou atrás do menino mais alto da turma. E quanto mais eu chorava baixinho, mais ardia. Eu só queria cavar um buraco e ir para o inferno, de vez.
Quando terminou a cerimônia não quis saber de bolo, festinha, nada.Fui para casa e passei a tarde em frente ao espelho, olhando para o rosto rasgado.
Cheguei a três conclusões:
Primeiro, que o céu é uma grande besteira.
Segundo, que Deus tinha algo pessoal contra mim.
Terceiro, que o gato era inocente.
(Do livro "Cobras em Compota" da escritora Índigo)
2 comentários:
Bem feito!
De certo é que o gato é inocente meeessmo! Mas imagino q/ muitas figuras, dessas bem estúpidas q/ gostam de falar mal de gatos, principalmente aquelas q/ criam cachorros(não todas, claro), devem ter dito: olhem só o que um animal 'traiçoeiro' desses faz.
Mônica- Recife
Oi Cecília,
Os padres não são Deus.
E as crianças são mazinhas também.
Quem mandou? Ou v. não via que o gato não estava gostando?
Perguntas, apenas, pra gente pensar nesse negócio esquisito que chamamos culpa.
Na real estou aqui para conhecer seu blog e dizer que conheço o Francisco Espinhara e outros poetas de Recife, cidade pródiga em poesia. E estou a fim de ir até aí. Vamos nos encontrar?
um abraço
Helena
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