terça-feira, 28 de dezembro de 2010

PARA REPENSAR O NATAL...




"TRECHO DE UMA CARTA AO MEU VELHO PAI"


“... e que mundão papai. Que gente fria e que velocidade existe aqui na cidade deles.
Que diferença de nossa terrinha, que diferença do amor todinho que tem pelas bandas daí.

Imagine o senhor o que me pediram prá escrever agora. Parece até brincadeira deles pedir para alguém assim como eu, sua filha, cheia de saudades e de vontade de ser novamente parte da natureza e não um pedaço dela – uma mensagem de Natal. Que acha o Senhor?

Tive vontade de mandá-los praquele canto que o senhor tão bem conhece e até cheguei a pensar um nome feio, bem feio, pra responder ao pedido, que considero um insulto.

Como papai? Como alguém pode pensar em Natal com zuada de ônibus, com guerras cheias de sangue, com meninos nus e chorando de fome, com homens sem poder levar um brinquedo ou um bolo pra seus filhos?

“CADÊ A TUA BONECA
TUA BONECA ENFEITADA
TUA BONECA DE RENDA
TUA BONECA RENDADA
TUA BONECA DE SONHO
TUA BONECA SONHADA?”


Foi o senhor mesmo quem nos ensinou a sentir o Natal com o coração cheio de amor, com os olhos sorrindo de contentamento, com a tranquilidade dos felizes e com um vestido novo que mamãe mesmo fazia.

Ainda hoje vocês continuam fazendo isso pelas bandas daí. E como eu tenho inveja de saber que o carrocel, o meu carrocel dos tempos de menina, roda a noite toda com outras crianças e não comigo, que minhas canoas que iam e vinha, a burrica a sombrinha, as barracas e as quermesses da Igreja ainda estão no mesmo lugar.

E MARIA BARRETO papai, como vai a MARIA BARRETO que trazia para o senhor toda uma série de sua quermesse, a MARIA BARRETO que vem há anos subindo e descendo as ruas de Canhotinho avisando que vai correr mais uma série. E os prêmios, o senhor lembra? Um queijo, uma caçarola, um penico (todos penduradinhos como que se oferecendo pra nós) e para as crianças de Canhotinho daquele tempo: Uma boneca.

“CADÊ A TUA BONECA
DE SAPATINHOS, VESTIDA?
TUA BONECA QUE CHORA
TUA BONECA QUERIDA
TUA BONECA QUE VIVE
VIVENDO NA TUA VIDA?”


E a árvore de Natal de nossa casa, toda enfeitada de bolinhas multicores e a Lapinha da Igreja onde íamos visitar Nosso Senhor? E o pastoril, e o meu cordão VERMELHO, por quem tanto gritei?

A paz que existia em cada um de nós gente pobre de dinheiro, mas rica de bem aventurança, milionária de amor e de humildade para com o próximo.

Posso papai, pensar em um Natal perfeito aqui na terra deles? Posso pensar em um Natal apenas de uma Noite, um Natal onde as pessoas não se amam, onde as crianças não correm em carrocel e onde os namorados não dançam nos bailes improvisados?

Sabe papai, acho que vou dizer pra eles que não vou escrever coisa alguma, acho que vou dizer pra eles que o Natal não se imagina, não se cria. Ele está e existe, como nós bem sabemos, dentro de cada um de nós, dentro de cada criança que vive sua vida sonhando, como o senhor bem disse em seus versos:

“CADÊ A TUA BONECA
COM QUEM TU BRINCAS DORMINDO
TUA BONECA ENCANTADA
QUE VIVE SEMPRE SORRINDO
TUA BONECA QUE CHEGA
SÓ QUANDO TUA VAIS SAINDO?”


Sei papai, sei que o senhor está do meu lado, sei que seu pensamento é igualzinho ao meu. O Natal para nós não é apenas um presente a mais, não é a ilusão que se bata nas cucas das crianças abastadas – o Papai Noel, não são as pessoas, não são os bolos e tantas coisas sem valor espiritual que se compram com o dinheiro.

Não sei qual será a reação deles papai, mas vou mandá-los ler essa poesia sua que desde o começo falo e que termina tão cruelmente para as crianças sonhadores de nosso mundo:

“TUA VIDA É A BONECA
QUE PAPAI NOEL NÃO TRAZ,
QUANDO ESSE SONHO MORRER
O TEMPO OUTRO SONHO TRAZ
ESQUECE A TUA BONECA
ELA NÃO VEM... NUNCA MAIS!”


Esse verso seu papai, é igualzinho a mim, não em busca da boneca – que já enjoei – mas certa de que minha vida vai ser uma eterna ilusão de um Natal daqueles. Uma eterna espera de que o Papai Noel daqui – para mim um mentiroso, um falso – traga novamente aquelas noites de algazarra, aquelas noites de amor e contentamento pelas ruas ainda pequenas de minha terra – nosso mundo. Quero ainda aquelas bandeirinhas sobre nossas cabeças e exijo que sejam de papel, e que se rasguem na passagem do ano novo e quero nossa bandinha tocando mais um dobrado para nos saudar.

Se não me for possível ir pra CANHOTINHO papai, o meu Natal vai ser igualzinho ao do ano passado – Frio, chato!

Como o de muita gente daqui da cidade grande...”


Nailze Villanova, Salvador, 12.01.1973

Carta escrita por minha mãe(Nailze Villanova)para meu avô(Otávio Villa Nova), publicada no livro "ANTES QUE EU ESQUEÇA"

Um comentário:

Anônimo disse...

Cecilia, parabéns pelo blog e pelo seu trabalho.
Sou um jornalista/radialista de BH e um grande admirador da cultura nordestina. Estou há algum tempo tentando uma informação da Almira Castilho, grande parceira de Jackson do Pandeiro. Você poderia me ajudar?

Abraços

Múcio Teixeira
mltbr@yahoo.com.br